O
casal entra no restaurante chique. A decoração sugere que os preços sejam
compatíveis com o bom gosto assinado pela decoradora de renome nacional.
Requintado, porém sem exageros. Era aniversário de casamento do casal e
resolveram comemorar com um jantar íntimo. Só os dois. Os filhos ficaram em
casa. A recepção para os amigos e parentes foi adiada para o fim de semana.
Casa cheia como sempre. Hoje não teria bagunça, confusão, gente falando alto,
meninos correndo pela casa. Hoje, a noite seria só deles. O restaurante chique.
Um dos mais caros de Brasília (assim imaginavam). As amigas morreriam de inveja
e reclamariam com os maridos que nunca as levaram lá. Inveja é uma merda!
Talvez não contasse nada. Ele certamente contaria aos amigos. Afinal, cartão de
crédito serve para estes momentos. Trinta anos de casados não são trinta dias.
Nos dias de hoje isso é uma raridade.
O
cardápio trazia pratos com nomes estranhos a sua dieta diária. Mas pareciam
interessantes, mesmo que não soubessem o que signifavam. Ficariam com vergonha
de perguntar ao maître. Poule au pot, salmão escalfado com manteiga de dill,
picatta de vitelo alla milanese, batatas macaire, lasagna di carnevale
napolitana, etc, etc, etc... faziam parte da lista de especialidades. Ai,ai,ai,
meu Deus! Os olhinhos atônitos dela olhavam tanto para a coluna da esquerda
quanto para o da direita. Melhor seria pedir o couvert enquanto não decidissem.
Assim foi feito. Brioches, manteiga de bolinha com ervas, patê de fois-gras,
legumes em conserva e outras coisinhas mais, compunham a entrada. Ela esqueceu-se
de olhar a coluna da direita do cardápio. Couvert? Não sabia o quanto agregaria
ao resultado final do jantar. Não importa. Ele estava com o cartão de crédito e
hoje era um dia especial, pôxa!
Continuaram
a olhar o cardápio e finalmente encontraram um prato que certamente não teria
como não dar certo: Spaghetti com frutos do mar. Assim estava escrito, bem
simples. E como não havia nenhuma restrição por parte deles, em relação aos
frutos do mar, estava decidido. Pedido feito. Com o entusiasmo de quem parecia
ter escolhido o melhor do cardápio. Desta vez ela olhou para a coluna da
direita. Estava compatível com o lugar. Meio caro, mas lembrou-se do cartão.
Abençoado. Desta vez, aceitaram a sugestão do maître, quanto à indicação de um
bom vinho – com um preço compatível com prato que pediram. Uma percepção que um
bom profissional da área deve possuir para não constranger seus clientes.
Trocaram
olhares como adolescentes, as mãos se entrelaçaram com carinho. Apreciavam os
detalhes do ambiente. Os abajures, os quadros, a iluminação sóbria, o silêncio
– quase não se ouvia barulho, as pessoas conversavam baixinho, com discrição.
Trinta anos não são trinta dias. A vida passava em um filme em suas mentes.
Riam de si mesmos. Lembravam-se dos momentos de dificuldades que atravessaram
juntos, dos momentos de alegrias que viveram juntos. Das perdas, da chegada dos
netos; enfim, uma retrospectiva que durou não mais do que o tempo da chegada do
jantar.
O
spaguetti chegou com aquela fumacinha peculiar. Um prato para cada um, como é
comum em restaurantes que servem à francesa. O aroma estava deliciosamente
sugestivo. Dava água na boca só de imaginar o sabor. Deliciaram-se com a fina
pasta. Brindaram às suas saúdes – que fosse a mais duradoura possível, pois
queriam comemorar os cinquenta anos de casados. Feliz casal.
Difícil
falar nesta hora, não é mesmo? Pois foi assim que eles estavam, quase em
silêncio, cada um saboreando sua pasta. Apenas se olhavam e cada um entendia o
que o outro estava sentindo. Brindaram mais uma vez e desta vez, comentaram que
estava uma delícia. Precisavam voltar ali outra vez. Quem sabe depois de pagar
o cartão?
De
longe o maître os observava. Sorria por ver um casal feliz. Ele que está
acostumado a ver um tanto de clientes, dos mais variados estilos, com pouco ou
muita educação, irritados e gentis, casais ou amantes, ricos solitários, uma
diversidade de tipos que certamente alguém poderia fazer um filme sobre isso.
Ele até pensou em escrever algo, mas sua aptidão em escrever não é lá essas
coisas. Melhor atender bem seus clientes, que é o que ele sabe fazer de melhor.
Sobremesa?
Não. Não havia necessidade. Um bom café seria excelente para fechar a noite.
Estava uma delícia! Elogiou a mulher ao garçon – que mudo estava e mudo ficou;
apenas um simpático sorriso de agradecimento.
A
conta chega e é paga com um sentimento de vitória. Estava paga, bem paga e paga
com satisfação. Feliz casal que comemorou seu aniversário de casamento
patrocinado pelo cartão de crédito – o abençoado.
Levantaram-se
da mesa com os agradecimentos do maître e desejos de breve retorno. Foram
caminhando para casa, devagar como dois namorados, abraçadinhos, conversando sobre
suas vidas, fazendo planos, sonhando, rindo de suas vidas.
Uma
cena do cotidiano urbano.
Luiz C. Machado