Friday, September 19, 2014

Francis Mallmann - Da arte da criação e do falso brilhante

Photo by James Fisher


Até que ponto vale à pena perseguir um prêmio de reconhecimento pelos seus feitos, se a essência da premiação não está mais voltada para arte/criação em si?
Porque perder o mister do silêncio da capacidade criativa e mesmo da improvisação, participando de seleções em que os participantes usam de estratégias que acentuam nitidamente a vaidade do “eu” e de se fazer modelo de vitrine etérea e passageira?
A diferença está na comparação entre “líder” e “chefe”. O primeiro é escolhido pela sua capacidade de liderança. Uma escolha espontânea. Um reconhecimento natural e verdadeiro. O segundo, é uma condição momentânea, é um lugar que hoje “se está”, amanhã não mais.
Por isso, digo que o melhor ou melhores, se sobressaem pelos eu talento nato. E se mantêm no topo, justamente por isso. Sem que se aviltem ou necessitem de flashes em seus 15 minutos de fama. Alguns até conseguem mais um pouco dos que os 15 minutos. Enfim.
Reproduzo a seguir, uma carta escrita por um Chef argentino, Francis Mallmann, o qual nutro profunda admiração, pela sua “doideira” em criar e mostrar de forma original o que se pode fazer para mantermos a essência da arte culinária. Do fazer, sem se preocupar em brilhar ilusoriamente. De ser criativo apenas pelos prêmios.
Mallmann, fez parte desta seleção de avaliadores e por não concordar com o que sentiu, pediu seu afastamento a exatamente um ano atrás do corpo de jurados do The Wolrd’s 50 Best Restaurants.
Leiam e reflitam sobre o texto.

Abraços.

Luiz Claudio – Cozinhando com Amigos


“Muito obrigado por me escolherem como um de seus jurados, mas decidi não votar mais em seus prêmios. Sentia (que queria isso) nos últimos dois anos, e agora não posso mais continuar.

Vejam: eu cozinho há 40 anos. Como sabem, cozinha é um romance com ingredientes, espaço, serviço, timing e silêncio. Observo sentimentos contrários em tantos de meus colegas que estão tão preocupados com os prêmios que passam o ano fazendo lobby perante o eleitorado, pulando de conferência em conferência e na minha opinião, desperdiçando tempo valioso e distanciando-se dos reais valores que fazem um restaurante.

Prêmios criaram um ambiente fictício e ultra competitivo para nossa cultura gastronômica. Inovação parece ser o principal valor. Embora não haja nada de errado com (a inovação), afastou-nos da valorização de um ofício em favor do que chamam de arte. Jovens chefs tentam atravessar pontes muito antes do que deveriam só para serem diferentes, famosos ou novos. Arte é um pensamento intelectual, e comida e vinho têm mais a ver com os sentidos e a partilha. Comida e vinho fazem-nos mais aguçados, espirituosos. Só aí podem estimular nossos pensamentos e melhorar nossa comunhão com colegas, amigos, amantes. Certamente a cozinha pode ser intelectual, mas deveria sê-lo de modo mais silencioso e –atrevo-me a dizer – humilde.

Certamente me senti muito honrado quando (meu restaurante 1884) foi o sétimo colocado na sua lista (The World’s 50 Best Restaurants), em seu primeiro ano de existência.  Mas é que minha vida na cozinha não tem mais elos com esse ranking.

Então desejo-lhes tudo de bom e agradeço-lhes por haverem me deixado servir nesses últimos anos em seu júri.

Partilhemos pão juntos.

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