Saturday, May 25, 2013

Jantar a dois - por Luiz C. Machado


O casal entra no restaurante chique. A decoração sugere que os preços sejam compatíveis com o bom gosto assinado pela decoradora de renome nacional. Requintado, porém sem exageros. Era aniversário de casamento do casal e resolveram comemorar com um jantar íntimo. Só os dois. Os filhos ficaram em casa. A recepção para os amigos e parentes foi adiada para o fim de semana. Casa cheia como sempre. Hoje não teria bagunça, confusão, gente falando alto, meninos correndo pela casa. Hoje, a noite seria só deles. O restaurante chique. Um dos mais caros de Brasília (assim imaginavam). As amigas morreriam de inveja e reclamariam com os maridos que nunca as levaram lá. Inveja é uma merda! Talvez não contasse nada. Ele certamente contaria aos amigos. Afinal, cartão de crédito serve para estes momentos. Trinta anos de casados não são trinta dias. Nos dias de hoje isso é uma raridade.
O cardápio trazia pratos com nomes estranhos a sua dieta diária. Mas pareciam interessantes, mesmo que não soubessem o que signifavam. Ficariam com vergonha de perguntar ao maître. Poule au pot, salmão escalfado com manteiga de dill, picatta de vitelo alla milanese, batatas macaire, lasagna di carnevale napolitana, etc, etc, etc... faziam parte da lista de especialidades. Ai,ai,ai, meu Deus! Os olhinhos atônitos dela olhavam tanto para a coluna da esquerda quanto para o da direita. Melhor seria pedir o couvert enquanto não decidissem. Assim foi feito. Brioches, manteiga de bolinha com ervas, patê de fois-gras, legumes em conserva e outras coisinhas mais, compunham a entrada. Ela esqueceu-se de olhar a coluna da direita do cardápio. Couvert? Não sabia o quanto agregaria ao resultado final do jantar. Não importa. Ele estava com o cartão de crédito e hoje era um dia especial, pôxa!
Continuaram a olhar o cardápio e finalmente encontraram um prato que certamente não teria como não dar certo: Spaghetti com frutos do mar. Assim estava escrito, bem simples. E como não havia nenhuma restrição por parte deles, em relação aos frutos do mar, estava decidido. Pedido feito. Com o entusiasmo de quem parecia ter escolhido o melhor do cardápio. Desta vez ela olhou para a coluna da direita. Estava compatível com o lugar. Meio caro, mas lembrou-se do cartão. Abençoado. Desta vez, aceitaram a sugestão do maître, quanto à indicação de um bom vinho – com um preço compatível com prato que pediram. Uma percepção que um bom profissional da área deve possuir para não constranger seus clientes.
Trocaram olhares como adolescentes, as mãos se entrelaçaram com carinho. Apreciavam os detalhes do ambiente. Os abajures, os quadros, a iluminação sóbria, o silêncio – quase não se ouvia barulho, as pessoas conversavam baixinho, com discrição. Trinta anos não são trinta dias. A vida passava em um filme em suas mentes. Riam de si mesmos. Lembravam-se dos momentos de dificuldades que atravessaram juntos, dos momentos de alegrias que viveram juntos. Das perdas, da chegada dos netos; enfim, uma retrospectiva que durou não mais do que o tempo da chegada do jantar.
O spaguetti chegou com aquela fumacinha peculiar. Um prato para cada um, como é comum em restaurantes que servem à francesa. O aroma estava deliciosamente sugestivo. Dava água na boca só de imaginar o sabor. Deliciaram-se com a fina pasta. Brindaram às suas saúdes – que fosse a mais duradoura possível, pois queriam comemorar os cinquenta anos de casados. Feliz casal.
Difícil falar nesta hora, não é mesmo? Pois foi assim que eles estavam, quase em silêncio, cada um saboreando sua pasta. Apenas se olhavam e cada um entendia o que o outro estava sentindo. Brindaram mais uma vez e desta vez, comentaram que estava uma delícia. Precisavam voltar ali outra vez. Quem sabe depois de pagar o cartão?
De longe o maître os observava. Sorria por ver um casal feliz. Ele que está acostumado a ver um tanto de clientes, dos mais variados estilos, com pouco ou muita educação, irritados e gentis, casais ou amantes, ricos solitários, uma diversidade de tipos que certamente alguém poderia fazer um filme sobre isso. Ele até pensou em escrever algo, mas sua aptidão em escrever não é lá essas coisas. Melhor atender bem seus clientes, que é o que ele sabe fazer de melhor.
Sobremesa? Não. Não havia necessidade. Um bom café seria excelente para fechar a noite. Estava uma delícia! Elogiou a mulher ao garçon – que mudo estava e mudo ficou; apenas um simpático sorriso de agradecimento.
A conta chega e é paga com um sentimento de vitória. Estava paga, bem paga e paga com satisfação. Feliz casal que comemorou seu aniversário de casamento patrocinado pelo cartão de crédito – o abençoado.
Levantaram-se da mesa com os agradecimentos do maître e desejos de breve retorno. Foram caminhando para casa, devagar como dois namorados, abraçadinhos, conversando sobre suas vidas, fazendo planos, sonhando, rindo de suas vidas.
Uma cena do cotidiano urbano.

Luiz C. Machado

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