Meu pai deixou-me uma herança
bibliográfica muito rica. Sua biblioteca era “habitada” por autores dos mais
diversos estilos e das mais diversas nacionalidades. Um oceano no qual
mergulhei durante minha juventude e pude conhecer como é rica a imaginação do
homem e sua percepção do mundo.
Vários autores tornaram-se meus
preferidos. Os brasileiros me agradavam mais, apesar de também gostar de alguns
estrangeiros bons de prosa e de versos. Dentre os brasileiros, teve um que é
uma referência para quem quiser conhecer o universo folclórico brasileiro. Luís
da Câmara Cascudo, nascido na cidade de Natal, no Rio
Grande do Norte (terra de minha avó materna), em 30 de dezembro de 1898. Historiador, antropólogo, advogado e jornalista;
passou toda a sua vida na cidade de Natal, dedicando-se ao estudo da cultura
brasileira. Foi professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Escolhi um dos
contos garimpados por Câmara Cascudo, para que vocês possam conhecer um pouco
de seu trabalho. Obviamente, que o assunto está relacionado ao universo
culinário, mas com um conteúdo divertido e bem representativo. É um conto
conhecido também em Portugal que faz parte do livro Contos Tradicionais do Povo Português; também conhecido na Espanha,
em Cuentos Populares Españoles.
Divirtam-se!
A gulosa
disfarçada
Um homem casara
com excelente mulher, dona de casa arranjadeira mas muito gulosa. Para
disfarçar seu apetite fingia-se sem vontade de alimentar-se sempre que o marido
a convidava nas refeições. Apesar desse regime, engordava cada vez mais e o
esposo admirava alguém poder viver com tão pouca comida. Uma manhã resolveu
certificar-se se a mulher comia em sua ausência. Disse que ia para o trabalho e
escondeu-se num lugar onde podia acompanhar os passos da esposa.
No almoço, viu-a
fazer umas tapiocas de goma, bem grossas, molhadas no leite de coco, e comê-las
todas, deliciada. Na merenda, mastigou um sem-número de alfenins finos,
branquinhos e gostosos. Na hora do jantar matou um capão, ensopou-o em molho
espesso, saboreando-o. À ceia, devorou
um prato de macaxeiras, enxutinhas, acompanhando-as com manteiga.
Ao anoitecer, o
marido apareceu, fingindo-se fatigado. Chovera o dia inteiro e o homem estava
como se estivesse passado, como realmente passara, o dia à sombra. A mulher
perguntou:
- Homem, como é
que trabalhando na chuva você não se molhou?
O marido
respondeu:
- Se a chuva
fosse grossa como as tapiocas que você almoçou, eu teria vindo ensopado como
capão que você jantou. Mas a chuva era fina como os alfenins que você merendou
e eu fiquei enxuto como as macaxeiras que você ceou.
A mulher
compreendeu que fora descoberta em seu disfarce e não mais escondeu o seu
apetite ao marido.
Leopoldino Viana de Melo
Macaíba, Rio Grande do Norte
Adorei! Muito interessante!
ReplyDeleteQue bom que gostou, Ceci. Aproveito a oportunidade para agradecer sua visita a meu blog. Bom apetite!
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