Mais uma receita de D. Florípedes (Dona Flor),
da obra de Jorge Amado – Dona Flor e seus dois maridos – 1995.
Ed. Record/Altaya – págs.212-213.
(...) Me deixem em paz com meu luto e minha solidão. Não me falem dessas coisas, respeitem meu estado de viúva. Vamos ao fogão: prato de capricho e esmero é o vatapá de peixe (ou de galinha), o mais famoso de toda a culinária da Bahia....
Tragam duas cabeças de garoupa fresca – pode ser de outro peixe mas não é tão bom. Tomem do sal, do coentro, do alho e da cebola, alguns tomates e o suco de um limão.
Quatro colheres das de sopa, cheias com o melhor azeite doce, tanto serve português como espanhol; ouvi dizer que o grego inda é melhor, não sei. Jamais usei por não encontra-lo à venda...
(...) Me deixem em paz com meu fogão.
Refoguem o peixe nesses temperos todos e ponham a cozinhar num bocadinho d’água, num bocadinho só, um quase nada. Depois é só coar o molho, deixá-lo à parte, e vamos adiante.
(...) Nada melhor do que viver tranquila, sem sonhos, sem desejos, sem se consumir em labaredas com o ventre aceso em fogo. (...) Continuemos a lição.
Tomem do ralo e de dois cocos escolhidos – e ralem. Ralem com vontade, vamos, ralem; nunca fez mal a ninguém um pouco de exercício (dizem que o exercício evita os pensamentos maus; não creio). Juntem a branca massa bem ralada e a aqueçam antes de espremê-la: assim sairá mais fácil o leite grosso, o puro leite de coco sem mistura. À parte o deixem.
Tirado esse primeiro leite, o grosso, não joguem a massa fora, não sejam esperdiçadas, que os tempos não estão de desperdício. Peguem a mesma massa e a escaldem na fervura de um litro d’água. Depois a espremam para obter o leite ralo. O que sobrar da massa joguem fora, pois agora é só bagaço.
(...) Em que país tocam fogo no seu corpo junto com o corpo do defunto? Antes assim, de uma vez queimada e em cinza, em lugar de consumir-se em fogo lento e proibido, de queimar-se por dentro em ânsia e em desejo... Viúva é só bagaço e aflição.
Descasquem o pão dormido e descascado o ponham nesse leite ralo para amolecer. Na máquina de moer carne (bem lavada) moam o pão amolecido em coco, e moam amendoins, camarões secos, castanhas de caju, gengibre, sem esquecer a pimenta malagueta ao gosto do freguês (uns gostam de vatapá ardendo na pimenta, outros querem uma pitada apenas, uma sombra de picante).
Moídos e misturados, esses temperos juntem ao apurado molho da garoupa, somando tempero com tempero, o gengibre com o coco, o sal com a pimenta, o alho com a castanha, e levem tudo ao fogo só para engrossar o caldo.
(...) Se o vatapá, forte de gengibre, pimenta, amendoim, não age sobre a gente dando calor aos sonhos, devassos, devassos condimentos? Que sei eu te tais necessidades? Jamais necessitei de gengibre e amendoim: eram a língua, a palavra, o lábio, seu perfil, sua graça, era ele quem me despia do lençol e do pudor para a louca astronomia de seu beijo, para me acender em estrelas, em seu mel noturno. (...) Viúva no fogão a cozinhar o vatapá, pensando o gengibre, o amendoim, a malagueta, e tão somente.
A seguir agreguem leite de coco, o grosso e puro, e finalmente o azeite de dendê, duas xícaras bem medidas: flor de dendê, da cor de ouro velho, a cor do vatapá. Deixem cozinhar por longo tempo em fogo baixo: com a colher de pau não parem de mexer senão embola o vatapá. Mexam, remexam, vamos, sem parar; até chegar ao ponto justo e exatamente.
Em fogo lento meus sonhos me consomem, não me cabe culpa, sou apenas uma viúva dividida ao meio, de um lado viúva honesta e recatada, de outro viúva debochada, quase histérica, desfeita em chilique e calundu. (...) ...de noite corro as ruas em busca de marido. De marido a quem servir o vatapá doirado e meu cobreado corpo de gengibre e mel.
Chegou o vatapá ao ponto, vejam que beleza! Para servi-lo falta apenas derramar um pouco de azeite de dendê por cima, azeite cru. Acompanhado de araçá o sirvam, e noivos e maridos lamberão os beiços.
Quem souber de solteiro em busca de viúva e casamento, diga-lhe que aqui se encontra dona Flor à beira do fogão, junto ao vatapá de peixe, consumida em fogo e em maldição.
Ciao, grazie per la tua visita al mio blog, anch'io mi aggiungo con piacere tra i tuoi sostenitori. Tanti anni fa ho letto il libro "Dona Flor e i suoi due mariti" e ricordo che mi era piaciuta molto l'ambientazione della storia. Buona giornata e a presto
ReplyDeleteHola Luiz Claudio: Gracias por tu visita a mi blog. Yo ya conocía el tuyo, de hecho te sigo hace unos meses :)
ReplyDeleteUn abrazo
Hola, me gusta mucho tu blog y las recetas que tienes, felicidades y gracias por tus comentarios en el mio.
ReplyDeleteAbrazos